No dia 30 de novembro será lançado aqui no Rio de Janeiro um documentário sobre a realidade das mulheres que contraíram HIV dos seus maridos. Uma realidade muito pouco conhecida pela sociedade dado o tabu que impera sobre o assunto.
Defendo fortemente o fim do preconceito e estígma que existe sobre o soropositivo e por isso convido a todos para assistir o filme. No Youtube é possível ver o trailer (disponibilizo logo abaixo), mas no blog Mulher 7×7 saiu um excelente artigo sobre o longa metragem escrito por Ruth de Aquino. Muito mais do que falar do dia a dia dessas mulheres, o filme nos alerta sobre nossas relações e a forma como nos colocamos nela. Uma excelente reflexão! Vejam a íntegra abaixo:
Esse trailer precisa ser visto. É uma introdução ao mundo das POSITIVAS, documentário de longa metragem sobre sete mulheres que contraíram HIV de seus maridos. Ana Paula, Silvinha, Cida, Rosária, Maria, Heli e Michelle. Elas falam. Falam muito, sem rodeios e com bastante autoestima. Riem, cantam, dançam, choram. Assisti ao filme em DVD ainda sem os retoques finais, na minha casa. E preferi assistir sozinha – pelo menos na primeira vez. Até agora não sei o que dizer diante do vigor e da garra dessas mulheres. Achei o documentário triste e alegre, revelador e assustador. O filme será lançado no dia 30 de novembro, no Espaço de Cinema Botafogo (rua Voluntários da Pátria, 35), no Rio de Janeiro, na véspera do Dia Mundial de Combate à Aids.
Hoje, no Brasil, 64% das mulheres com o vírus HIV são pessoas assim. Elas tinham relacionamentos estáveis. Estavam casadas havia meses, um ano, 31 anos…Além de estabilidade, elas tinham confiança nos seus homens. E nem pensavam em negociar o uso do preservativo nas relações sexuais. Como negociar o preservativo em atos de amor? “Mulheres apanham. Homens pensam que as mulheres traem ou até que têm Aids se elas pedem que ele use preservativo”, diz Rosária. Para essas sete mulheres, hoje, um dos motivos de viver é alertar as outras. Será que queremos mesmo ser alertadas?
As personagens nada têm a ver com o que se convencionou chamar “grupo se risco” da Aids. Eram donas-de-casa ou trabalhadoras como todas nós. Consideravam sua vida sentimental e familiar resolvida, e foram surpreendidas pela notícia do HIV. E nesse momento, descobriram também o comportamento de risco de seus parceiros – heteros infiéis, homossexuais, ou usuários de drogas injetáveis.
Sentindo-se “responsáveis e irresponsáveis” – como diz Cida, de lucidez contagiante, apesar de ter ficado cega – , elas também enfrentaram o preconceito. Poderiam ficar eternamente como Cida se sentiu no primeiro momento: “Com raiva de mim, do mundo e de Deus”. Em vez disso, tornaram-se militantes e se recusaram a vestir a burca da hipocrisia, da depressão, da vergonha ou do medo. No filme, elas falam pouco dos homens que lhes passaram o vírus – mal se sabe se eles estavam conscientes ou não. Esse não é o foco do filme. E elas não se fazem de vítimas. Não é assim que desejam ser vistas. Há um orgulho comovente na convicção de que não podem se esconder – não há por que se esconder.
Conversei com a diretora do documentário, Susanna Lira. Perguntei o que tinha aprendido ao fazer o filme, o que cada uma das mulheres tinha lhe passado: rancor, arrependimento, tristeza, otimismo, coragem? O depoimento sincero de Susanna me provocou sensações muito fortes – entre elas, a de que a sociedade tenta a todo custo não enxergar a realidade exposta na tela.
« O filme é muito duro mesmo… mas é necessário, e precisa ser visto por nós mulheres e nossos companheiros homens. Acho que é uma chance para a gente tocar naqueles assuntos delicadíssimos, mas que não podem ser deixados para depois, porque pode ser tarde demais.
Para te falar a verdade, esse filme causou tanto impacto na minha vida, que eu adoeci literalmente no período de montagem. Quando cheguei na ilha de edição, juntei as falas e pude ver todas as personagens contando suas histórias, senti um peso enorme misturado com uma imensa responsabilidade a respeito do filme e de mim mesma como mulher.
Adoeci, fui a vários médicos, inclusive infectologista, fiz dezenas de exames (incluindo HIV) para saber a origem do meu mal-estar. Não foi diagnosticado nenhum problema clínico, mas emocionalmente sei que não sou a mesma.
As personagens do filme, embora vivam em situações e cidades diferentes, representam um senso comum do que entendemos como o comportamento padrão da típica mulher brasileira. Daí tive a primeira identificação. Estou no segundo casamento, mas nunca fui namoradeira, sei exatamente com quem fui para a cama, sempre tive responsabilidade com isso. Por fim, a maior semelhança com elas é que em todos os meus relacionamentos com um mínimo de tempo em que eu me sentia mais íntima e confiante, parei de usar o preservativo, como a maioria das mulheres.
Tenho total consciência do mal-estar que esse filme possa vir a causar, porque o casamento ainda é um tipo de relação em que nos sentimos seguras e protegidas. Não quero parecer uma menina má que vai estragar a alegria alheia, mas o que fazer com as estatísticas? As pesquisas? Esses 64% de mulheres que têm HIV não são apenas números numa planilha. São o resultado de um padrão de comportamento cristalizado em nosso cotidiano: mulheres em relacionamentos estáveis não costumam usar camisinha.
A feminização da AIDS é uma realidade que precisamos encarar de frente. Só com o debate aberto sobre a desigualdade de gênero é que podemos entender a expansão desse fenômeno. O enegrecimento e o empobrecimento da doença cresce assustadoramente e só o controle social poderá amenizar a situação. Muitas soluções estão na ampliação e divulgação de políticas públicas para o combate e a prevenção da Aids, mas a sociedade não deve fugir à responsabilidade: precisamos usar camisinha em todas as relações.
Ana Paula mora em um pequeno pedaço de paraíso em Brasília. Quando você entra na casa dela parece que foi transportado para um novo mundo, cheio de bombons, carambolas, artes, natureza e muito aconchego. Foi nesse ambiente delicado e rodeado de boas memórias que conversamos com ela para o filme. Silvinha, de São Paulo, suave, loira e pequena, ao falar demonstra todo seu espírito generoso e se torna colossal – ainda por cima me ofereceu a canjica mais gostosa que comi na vida. Cida esbanja carisma, alegria e solidariedade. Mesmo cega por causa do HIV, consegue enxergar longe o que deseja para seu futuro. Rosária me atendeu em sua casa, num bairro da periferia de Salvador. Eu já tinha ouvido falar muito bem desta mulher, mas eu não tinha idéia do quanto ela iria marcar minha vida…
Ruth, você me pergunta o que elas passaram de mais importante para mim, e eu te respondo que vou demorar alguns anos para potencializar todos os significados dessa aprendizagem. De cada uma levo uma impressão, e de todas elas a esperança na vida, a coragem diante dos momentos difíceis, e a solidariedade com nossos companheiros homens. Mas, acima de tudo, aprendi que fazer sexo seguro não é transar com quem nos parece seguro, mas sim usar camisinha em todas as relações. Fiquei até com uma frase do Herbert Vianna na cabeça: Cuide bem do seu amor…seja quem for! »