Lendo o jornal de hoje, sobre os novos decretos secretos do Senado, lembrei-me de uma amiga colombiana, Viviana. Estudamos juntas em Madri e naquela época, a Colômbia passava por uma fase terrível: Sequestros, Farc, toque de recolher, violência generalizada. Como sou extremamente curiosa, não aguentei e perguntei-lhe como era viver dessa forma, tendo que monitorar os próprios passos, sabendo que o indesejável espreita, logo ali. Para minha surpresa, Viviana disse que era normal. “Como assim?”, pergunto. Sob minha ótica, não tinha como ser normal. Ela explicou que as pessoas acostumam-se a viver com a violência e chega uma hora que aquilo já não afeta tanto a rotina ou assusta. Disse ainda que se não fazem isso, não vivem. Aceitei, mas confesso que não consegui assimilar. Isso aconteceu em 2003 e apenas hoje, 6 anos depois, posso dizer que entendo.
Faz um ano e meio ano que estou morando no Rio. Como quase todos os que vêm de fora, apesar de entusiasmada pela mudança eu estava receosa dado o que via nos noticiários. Logo nos meus primeiros dias, à noite, eu ouvi uma troca de tiros. Por causa disso, passei a noite inteira em claro, sem dormir. Mas isso não me desanimou. Empenhada em conhecer melhor e cada vez mais a cidade eu via os noticiários e lia os jornais todos os dias. Mas era tanta notícia terrível (milícias, assassinatos, tráfico, arrastões, etc) que parei. Desisti. Se eu tinha que viver aqui, eu tinha que parar de ver imediatamente aquela quantidade absurda de informações negativas ou voltaria correndo para a minha cidade natal. Tinha a impressão de que estava no meio de uma guerra não declarada. Me sentia sufocada. Andava pela rua atenta, olhando sempre ao redor, como se tentasse captar alguma ameaça. Dirigir para mim era um martírio. Antes da minha mudança comprei um GPS, devido ao meu medo de parar em algum lugar indesejado. Mas eu só tive coragem de sair de carro, sozinha, uns 3 meses depois da minha chegada (mantendo as janelas do carro devidamente fechadas). Ainda assim, ao parar em qualquer sinaleira eu tinha a terrível sensação de que algo poderia acontecer. Com o tempo, tudo isso passou. Recomecei a ver o noticiário local e a ler o jornal. As notícias já não me afetavam tanto. Não sei precisar exatamente quando ocorreu essa mudança, apenas aconteceu.
Nunca parei para refletir o por quê disso, até hoje. Há dois dias atrás, de novo durante a madrugada, eu ouvi o disparo de seis tiros. Diferentemente do outro episódio, eu processei o que ouvi, ajeitei o travesseiro e voltei a dormir. Hoje, lendo as notícias sobre os decretos secretos no Senado eu entendi o que a minha amiga Viviana quis dizer sobre o costume à violência.
Bem, você deve estar se perguntando qual a relação dos decretos secretos com tudo isso. Explico. Quando eu voltei do trabalho, fiquei tentando entender o por quê da falta de reação dos brasileiros (enquanto sociedade civil organizada). A “dinastia” Sarney conseguiu deixar o Maranhão mais pobre do que nunca. Quando foi divulgado que o Congresso tinha mais de 50 cargos de Diretoria, Sarney contratou uma consultoria que propôs uma ação que ele simplesmente ignorou. Sendo que há alguns anos atrás, ele havia contratado a mesma consultoria para o mesmo assunto e não deu em nada. Por isso me questionei: Será que estamos acostumamos à safadeza política da mesma forma que à violência e é por isso que ficamos paralizados, sem ação? Eu não tenho nenhum suporte concreto para fazer essa comparação, isso apenas veio à minha mente devido ao que tenho visto e lido ultimamente, como o caso da Inglaterra. Esse país irá punir os parlamentares que utilizaram a verba pública indevidamente. Alguns desses “gastos indevidos” foi a compra de lâmpadas para a residência particular de um político. Sim, é uso indevido, mas se eu comparo com o tipo de uso indevido que ocorre no Brasil, tenho vontade de sair em defesa dos parlamentares ingleses! A questão é que os ingleses não estão acostumados com casos de corrupção. Eles acreditam piamente no parlamento e por isso existe uma punição. Diferente do Brasil, onde já nos acostumamos com a impunidade. Faz sentido o que estou colocando?
Depois desse meu devaneio eu realmente fiquei com vontade em aprofundar meus conhecimentos em filosofia ou sei lá mais o quê para ver se consigo entender o que aconteceu com a gente.
Concordo em gênero, número e grau.
Publiquei em meu blog (http://blog.fachin.zip.net/) os links para dois textos que explicam muito bem o caso.