Passei por altos e baixos nessa pandemia. E eu sei que ainda não acabou.
Lembro que um dia, esgotada, pensei “Como posso cuidar de duas crianças se às vezes sequer consigo cuidar de mim?”. Eu estava no piloto automático. Entrei no modo de sobrevivência, como diz uma amiga, quando você usa o mínimo para manter a máquina funcionando. Mas o problema do modo de sobrevivência é que ele foi feito para ser usado de forma temporária, caso contrário, entra em pane.
Então a vida exigiu mais. As coisas não voltariam ao normal tão rápido. A fase da diversão, por estarmos todos juntos em casa, a fase edílica, acabou. Tudo perdeu a graça e a rotina se tornou mais complicada. Todos aqueles problemas que ocultávamos, inseguranças, vieram a tona. Era um rolo compressor de ansiedade, tanto nos adultos quanto nas crianças. Eu me vi com duas escolhas: encarar ou fugir?
Optei por encarar. Mas não foi a decisão mais fácil. Você tem que estar disposta a lidar com o inesperado. Lidar com dores não resolvidas e se questionar o tempo todo sobre o motivo das suas reações. Por quê esse mal humor repentino? O que seu filho tem? Como restabelecer limites nessas condições? Eu estou realmente irritada com o barulho? É cansaço? Ou tem outra coisa aí?
A sua vida muda. De repente, seu trabalho vira uma incógnita, tudo fica em suspenso. Você assume novas funções que não gosta, e tem que ter o cuidado para não projetar suas frustrações no outro. Algo muito bonito de se falar, mas difícil de praticar, especialmente quando você não tem tempo para SER.
Eu me senti perdida, muitas vezes. Mas também fiquei mais atenta. Ao meu corpo, aos meus filhos, ao meu marido. Em meio ao caos, encontrei formas de me desconectar, mesmo com os barulhos, com os choros e as interrupções constantes. Eu aprendi que se eu realmente prestar atenção, a vida dá toques, ajuda, sussurra algumas dicas. Mas para isso você precisa estar aberto. Você precisa querer enxergar e estar disposto a pagar o preço daquelas questões não resolvidas. E assim eu comecei a entender algumas coisas. Me reencontrei com os meus filhos, enxergando de uma perspectiva privilegiada outras vertentes das suas personalidades, pontos fortes, limitações. Descobri a melhor forma para o mais velho fazer uma redação, sem reclamar tanto, respeitando o tempo dele e ao mesmo tempo, tentando despertar algum prazer. Percebi que sua resistência não era birra, preguiça. E sim uma real dificuldade. Em outros tempos eu estaria reagindo a esse “problema” de uma forma totalmente equivocada, porque eu simplesmente não conseguia enxergar. Não dava tempo, era muita correria e dispersão. Mas a pandemia me obrigou a parar. Me fez olhar de verdade. Estávamos ali, todos presos dentro de casa e sem distrações desnecessárias.
É engraçado perceber que justamente quando o tempo fica mais escasso, ele também se alonga, permitindo que se realize mudanças importantes. Tudo isso porque ficou mais fácil reorganizar as prioridades. Porque o improvável te faz rever muitas coisas. As suas preocupações de seis meses atrás deixaram de existir como um passe de mágica, por causa de um vírus. A pandemia me trouxe algumas coisas boas, apesar de toda a dor deixada no mundo. E eu me dei como meta fazer bom uso desse privilégio.
Mas para lidar com todos esses desafios eu precisava mudar. E muito. Começando pela forma de me comunicar. Com mais clareza, com mais sinceridade, com mais calma. Eu precisava descobrir mais sobre mim. Do que eu gosto? O que eu quero? Perguntas que eu responderia com rapidez há vinte anos atrás viraram um monstro de sete cabeças. Percebi que era impossível elaborar uma resposta que não incluísse os filhos e as obrigações e isso estava errado. Mudei de hábitos. Passei a acordar às cinco horas da manhã e incluí a meditação como método para ajudar a organizar os meus pensamentos. Perdi duas horas de sono no dia, mas ganhei duas horas de qualidade que são só minhas. Valeu a pena? Muito!
Você deve estar se perguntando se eu estou mais zen? Se eu encontrei a fórmula da felicidade? O equilíbrio perfeito? Estou longe disso! É uma luta diária para recomeçar e tentar. Nesse exato momento um dragão corre atrás de um dinossauro de cueca e soltam rugidos ferozes. Em questão de segundos a brincadeira se transformou em um campo de batalha, precisando da minha intervenção, antes que alguém se machucasse. Sendo que há vinte minutos atrás uma poça de água “apareceu” no quarto dos meninos. O mais velho resolveu fazer uma faxina. Tudo isso antes das sete e meia da manhã. Nem quero imaginar o que poderá ocorrer até o fim do dia. Mas eu aprendi a ser generosa comigo mesma. A não exigir demais. A não pensar em um futuro longínquo quando o presente é tão intenso e complicado. E em um mundo que exige tanta coisa da gente, networking, antecipação, cursos, imagem, me livrar de algumas amarras é libertador. Em busca da sanidade, estou tentando deixar de lado muito do que foi convencionado como correto para poder abraçar a minha própria natureza. Mesmo que para isso eu tenha que nadar contra a corrente e recomeçar quantas vezes forem necessárias