“A verdade por trás do seu sorriso”: autora baiana escreve sobre a coragem de mulheres para superar relacionamentos abusivos

Cada vez mais a temática dos relacionamentos abusivos tem ganhado espaço nas discussões cotidianas. Com o avanço de pautas dos direitos das mulheres, o tema ganha visibilidade conforme cada vez mais mulheres corajosamente abrem suas vidas particulares para o mundo e dividem com ele relatos de violências físicas e psicológicas sofridas em seus relacionamentos. Se há uma coisa que o feminismo nos tem ensinado é que o pessoal é político, sempre. Toda história individual de toda mulher tem a capacidade de reverberar temas que são centrais para a sociedade como um todo.

“A verdade por trás do seu sorriso”, publicado pela Editora Labrador, é o romance de estreia da escritora baiana Paloma Weyll. O livro conta a história de Amanda, uma mulher que vê sua vida desmoronar quando, deixada pelo marido, encontra-se só, endividada, com um filho pequeno e vendo sua força ser minada por uma relação cheia de dores e traumas com Roberto. Aquilo que havia começado como uma relação apaixonada entre ela e o encantador Roberto foi pouco a pouco se mostrando nociva e prejudicial à Amanda, que encontrou em si e em outras mulheres a força para reconstruir sua vida diante da violência.

Escrever sempre foi um desejo de Paloma. Mas, como muitas pessoas, ela viu as demandas da vida cotidiana se interporem à sua escrita. Assim como sua protagonista, foi a adversidade que fez com que a autora escrevesse o romance: foi na pandemia, durante o isolamento e com o fechamento de sua empresa devido à crise causada pelo coronavírus que Paloma conseguiu finalizar esse projeto:

““Eu sempre tive vontade de escrever um livro. Mas nunca tive tempo. O trabalho, as viagens, os filhos, sempre empurravam isso para o final da fila. Até que veio a pandemia. Eu tinha uma empresa de relocation (que prestava serviço para grandes corporações que transferiam estrangeiros para trabalhar no Rio de Janeiro) e tive que fechá-la. Com as fronteiras fechadas, nenhum estrangeiro obtia autorização de trabalho. Apesar de estar extremamente assoberbada com a nova rotina (filhos pequenos em casa, tendo aula a distancia, preparar comida, limpar, o medo da nova situação, etc) eu sentia como se estivesse sendo engolida pela rotina e não me sentia produtiva. A ausência de perspectivas me consumia. Então concentrar a minha energia para escrever o livro foi a solução que encontrei para manter a minha sanidade em meio a tanto caos”. 

Não só nisso Paloma e Amanda se aproximam. Na realidade, toda a construção da história e da personagem são fruto do encontro entre experiências pessoais de Paloma e situação às quais ela assistiu ou participou como coadjuvante. Sua experiência e de mulheres que ela conheceu serviram de base para a construção da narrativa, que apesar de ficcional tem pontos de contato com histórias e experiências reais.

“Dentro de mim, existiam vários temas que reverberavam e que eu precisava colocar para fora. Em alguns, eu fui protagonista, e passei por situações improváveis que me obrigaram a encarar a vida de uma forma mais realista. Mudei a forma de agir e pensei muito sobre o que eu desejava para a minha vida. Para ser sincera, foi um choque de realidade, daqueles bem dados, em que você entende que a sua vida é finita e que você não tem nenhum controle sobre o que vai acontecer. “”

“Em outros momentos, eu fui coadjuvante, e me vi envolvida em uma situação bem complicada. Lembro até hoje do medo que senti. Mas eu estava determinada a fazer a coisa certa. Apesar de tudo, segui em frente e fiquei orgulhosa da decisão que tomei.  E por fim, ouve uma situação – que inclusive ilustra uma das cenas do livro – onde eu fui uma mera espectadora. Esse fato me fez refletir sobre as coisas que não enxergamos em um relacionamento. Às vezes estamos tão acostumados com a rotina que ignoramos os sinais de alerta que pairam no ar. Eu me senti vulnerável nesse momento. Porque poderia acontecer com qualquer um, inclusive comigo. “

“O ponto comum em todas as histórias foram as mulheres que, surpreendidas com problemas muito maiores do que poderiam suportar, se reinventaram com a agilidade que o momento exigia. E foram com essas vivências que eu entendi o que era e de onde vinha a força que nos move. De onde vem essa coragem que nada mais é do que um medo absurdo que nos empurra para a frente, porque sabemos que se ficarmos paradas, no mesmo lugar, seremos engolidas.”

Para além da temática da violência e dos relacionamentos abusivos, o livro de Paloma Weyll busca também transmitir uma mensagem de esperança, e aposta na força da confiança para a superação de situações que parecem insuperáveis. “Com várias historias familiares, sempre fui instruída a “confiar desconfiando”, até que me vi morando sozinha em um outro país e precisei da ajuda de uma estranha para permanecer. Ao mesmo tempo em que fiquei grata, senti vergonha. Porque sabia que eu não faria o mesmo por ela. Desde então, venho trabalhando essa questão. O ato de se colocar no lugar do outro. De não julgar. De não esperar nada em troca. Porque entendi que nossas percepções sobre o outro sempre serão limitadas, já que estão “contaminadas” por uma bagagem histórica que às vezes não nos pertence”, diz a autora. Com sua obra, ela levanta discussões a respeito da importância da confiança e do acolhimento, especialmente entre as mulheres, para que diante desse acolhimento seja possível superar situações difíceis que podem envolver múltiplas formas de violência.

Mais do que uma história sobre violência, “A verdade por trás do seu sorriso” é uma história sobre superação, sobre apoio e confiança. É, de certa forma, também uma história sobre os recomeços possíveis para mulheres que veem-se presas a situações cotidianas que parecem irresolúveis, mas que podem ser superadas quando há coragem e uma rede de apoio disposta a acolher e não julgar.

Texto retirado originalmente do site Notaterapia

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