A leveza da inocência

Eu nunca tive paciência para escrever diários durante a minha infância e adolescência. Mas em 1994 consegui escrever algumas páginas em um caderninho que ganhei de lembrança de uma festa de 15 anos. O caderno é bem breguinha. Todo forrado em tecido rosa, tem uma almofada de coração incrustado de pedrinhas que imitam pérolas. Como se não bastasse, na base do coração tem um laço de fita (rosa) com flores (também cor de rosa). Deu para imaginar? Apesar da cafonisse, fiquei grata por encontrá-lo depois de tantos anos. É muito bom relembrar.


Quando o escrevi, tinha 14 anos. Eu era uma menina totalmente romântica, que vivia no mundo dos sonhos. Tudo era idealizado: O amor, as amizades, até os problemas. À medida que avançava na leitura eu pude entender o que meus amigos me contavam sobre essa época e eu não acreditava (sim Laê estou falando de você). O engraçado é que eu resolvi escrevê-lo justamente no ano em que eu saía da infância e entrava na adolescência. Sim, eu sei que eu já era uma adolescente, ao menos fisicamente. Mas psicologicamente, naquela época, as coisas funcionavam de uma forma diferente, pelo menos para meu grupo.


O diário começa no dia 04/07/1994. Nesse dia eu relato as aventuras das minhas férias de São João. Fiquei realmente fascinada com a candura e ingenuidade com que enxergava a vida. Como andava sempre com minha irmã e prima, terminava tendo que me adaptar aos programas delas. Contudo, aos 14 anos as necessidades de uma menina nessa idade eram bem diferentes das de meninas de 16 e 17 (pelo menos naquela época). Com uma inocência incrível eu falo sobre o processo de conquista de minhas companheiras e os rapazes presentes. Assumo um discurso seguro, como se fosse a expert no assunto. Ao mesmo tempo, demonstro um desinteresse enorme por essa dinâmica e desabafo que o lado ruim de sair com companheiras mais velhas é que apenas conheço rapazes velhos e chatos. Nossa, que tempo.



Avançando na leitura percebo que já nas primeiras páginas eu consigo bater um recorde histórico: Me “apaixono perdidamente” por 4 rapazes apenas durante o mês de julho!! No dia 06/07/94 eu estava “perdidamente apaixonada” por um tal de Matheus (não consigo me lembrar dele). No dia 08/04 já estava “apaixonada” por outro, um colega do inglês. No dia 10/04 era a vez de um menino do meu condomínio. Nesse ponto eu me pergunto se estou fincado “galinha” por me “apaixonar” e “desapaixonar” tão rápido. Digo a mim mesma que isso tem que parar. Mas essa censura não passa de uma mera tentativa. No dia 25/07 me “apaixono perdidamente” por um colega de minha irmã. Ainda não terminei de ler todo o diário. Não sei se me apaixonei por outros ao longo de 94, mas achei hilário como “sofri muuuuiiiitoooo” em todos os casos. Tentei descrever meu sentimento com frases tipo:


“Meu Deus! Como eu queria voltar no tempo e fazer tudo diferente! Bem que ele podia pegar meu telefone!” (Na minha ingenuidade eu achava que era fácil assim: Se me apaixono, ele sabe e toma uma iniciativa. Simples!).


“Eu sou uma besta! Porque os rapazes são assim?” (Nesse trecho eu culpo um dos meninos por não ter percebido que eu gostava dele. Coitadinho…..)


“EU QUERO QUE ELE SUMA DA MINHA VIDA!” , “Ninguém tem o direito de magoar ninguém” (Pergunto-me onde aprendi essa frase? Deve ter sido de algum filme romântico ou novela mexicana. Na época eu assistia muito. Achava as histórias lindas!)


“Por que ele também não gosta de mim? Deus, você devia fazer assim: se a gente gostasse de uma pessoa, ela deveria gostar da gente” (Pelo menos aqui eu percebo que o rapaz nem me notava. De quebra, eu ainda dou uma dica para Deus simplificar o processo)


“Meu coração está despedaçado! Como tenho sofrido profundamente!” (Essa aqui foi a campeã! O engraçado é que depois de dizer isso eu falo sobre como me divertir com as minhas amigas no shopping. Nos dias seguintes, nos meus relatos não têm nenhuma menção da paixonite aguda.)


Esses foram os maiores “dramas” pessoais vivenciados por mim naquele período. Ainda lembro da intensidade com que os sentimentos afloravam e a rapidez com que eles se esvaiam. Lendo meu diário, bate uma saudade e uma alegria enormes. Saudade da época em que a vida era um conto, alegria por ter vivido intensamente cada parte dele, sem pular nenhum capítulo e por ter reencontrado um lado meu que estava esquecido. Ler sobre meu passado ajuda a entender a pessoa que sou hoje, como cresci e amadureci. Graças a Deus!


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