Eu nunca entendi o significado do famoso ditado “Ser mãe é padecer no paraíso”. Para ser sincera, sempre achei esse ditado fantasioso. As palavras padecer e paraíso numa mesma sentença lembra-me os vendedores de carro usado, que ressaltam apenas as qualidades, esquecendo de “pequenos detalhes”, como o fato do carro já ter sido batido, por exemplo. Ou as mães, que sabendo dos problemas ou desafios que seus filhos enfrentarão, tentam “suavizar” a realidade. A minha mãe tem doutorado nessa área. Quando eu tive uma terrível crise de cólica renal, ela me fez ver o lado positivo da situação: graças a isso, um dia eu tiraria a dor parto normal de letra, já que, segundo ela, a dor da cólica renal é bem pior que a do parto. Seguindo essa lógica, acho que meu parto será totalmente indolor, visto que já tive umas 4 crises tão fortes, que parei no hospital….
Bem, eu não tenho filhos, mas a minha irmã mais velha tem. Antes de sua filha sonhar em ser concebida, minha irmã tinha um gênio muito muito muito muuuiitooo forte. Confesso que até tinha pena do marido dela. Ela sempre acordava de mau-humor e nunca dormia o suficiente. No início era por causa dos estudos, depois, por causa da sua rotina de médica. Meu pai dizia, “Essa menina não podia ter escolhido um curso onde pudesse dormir mais?” Se ela estivesse cansada então, saia de perto! Perigo na certa. Quando éramos pequenas acho que ela treinava boxe em mim. Eu apanhava tanto… Pelo fato de ser menor e mais fraca, tive que desenvolver outras aptidões para sobreviver nesse meio selvagem. Assim, desenvolvi uma técnica: Quando eu via que minha irmã ia me bater, começava a gritar “Aí, aí, para! Dói! Socorro!! Mãe, Pai, me ajudem!” Sucesso total! Minha mãe, assustada, corria para ver o que estava acontecendo e colocava minha irmã de castigo. Com essa nova técnica, a balança de poder lá em casa se inverteu totalmente. Se antes eu apanhava por coisas banais (tipo, querer ler o recado que minha irmã deixava para minha mãe, brincar com ela, etc) eu comecei a realizar tarefas de alto risco, até então inimagináveis: passei literalmente a cutucar a cobra com vara curta, irritando-a e usando as suas coisas. Não existia mais o risco de apanhar. Eu realmente me sentia poderosa! Mas, infelizmente, essa técnica não servia para me defender dos garotos da rua. A minha sorte é que minha irmã não guardava ressentimentos e quando percebia que eu estava apanhando (e feio),ou sendo ofendida, saía em minha defesa e arrasava com o meu adversário. Por isso, tenho que fazer uma pequena pausa e deixar aqui o meu registro de agradecimento: Obrigada irmã, por ser tão magnânima nessas horas!!
Voltando ao assunto do ditado, sua filha, minha afilhada, nasceu. Minha querida irmã passou a dormi cada vez menos. Por ser médica, tirou apenas 1 mês de licença maternidade no consultório e para piorar (ou melhorar??!) a situação, nossa mãe é médica pediatra. Você nunca sabe quando é a avó que está falando ou a médica. Stress total. Diante desse cenário vocês devem estar pensando que o humor da minha irmã piorou de vez, certo? Errado. Inacreditável! Eu demorei 1 semana para ir conhecer a minha afilhadinha (não sou ingrata, elas moram em Salvador e eu no Rio de Janeiro) e ao chegar lá conheci uma nova irmã. Cansada, com sono, peito rachado e dolorido, mas absolutamente calma e feliz! O humor mudou totalmente. Esse fato me marcou muito. Vi como a maternidade realmente pode mudar uma pessoa. Passei até a sentir falta da minha antiga irmã. Na Semana Santa, estávamos indo tomar uma ducha para depois entrar na piscina. Minha irmã achou a água fria e disse que ia desistir. Mas eu queria a sua companhia e comecei a jogar água nela, fazendo-a gritar rispidamente comigo, como não fazia há mais de 1 ano. Tomei um susto e comecei a rir de felicidade! Ela não entendeu nada e, resignada, disse que entraria na piscina mas que não molharia o cabelo. Ok, pensei. Entramos, mas eu queria ver a antiga irmã de novo e comecei a molhar seu cabelo com a água da piscina, da mesma forma que as crianças fazem. Para minha surpresa, ela reagiu com calma, pedindo para que parasse. Eu insistir e disse “você respondeu errado, essa não é você. Saia que esse corpo não te pertence!” Mas ela não voltou (e acho que não volta mais) e ainda deu uma deliciosa gargalhada. A maternidade definitivamente deixou a sua marca.
Semana passada ela veio para o Rio de Janeiro com o marido e minha afilhada. Era uma oportunidade para eu passar mais tempo com a minha gostosinha. Sem a babá, sem avó-pediatra, sem a outra irmã e a “torcida do Bahia” (Tradução: Para os que não são de Salvador, a expressão “torcida do Bahia”, nesta sentença, indica que a minha irmã tem várias pessoas para ajudá-la. É uma referência à quantidade de torcedores do Bahia. No caso do Rio, poderíamos substituir o Bahia pelo Flamengo). Finalmente teria minha afilhada full time para mim!. Por isso, adaptei a minha casa, comprei 9 potinhos de papa (dos quais ela não comeu nenhum), frutas, aluguei um berço e disse a mim mesma que iria fazer o impossível para que minha irmã descansasse o máximo que pudesse, deixando o grosso do trabalho para mim. Mas como diz a minha amiga de Floripa, “Bahhh Guria” no fim do primeiro dia eu já estava morta!!! Depois de acordar 2 vezes na madrugada e outra vez às 6 da manhã para brincar com ela enquanto a mãe e o pai dormiam, dar banho e carregar ela o dia todo, chegou o momento da verdade. Minha irmã iria à noite para um casamento, deixando o bebê comigo e meu marido. Passei uma hora tentando fazê-la tomar o leite. Ela chorava, gritava, com fome, mas recusando a mamadeira; só queria a mama. Meu marido tinha ido levar os dois no local da festa e eu ligava para implorando para ele chegar logo. Ficava pensando nos meus vizinhos e falando para minha gostosinha, como se ela entendesse: “Será que eles acham que eu estou fazendo mal a você, bebê? Por favor, pare de chorar”. Depois de muito tempo, o bebê dormiu no colo do tio e eu aproveitei para dormir também. Mas não consegui. O sono foi superficial. O peso da responsabilidade fez com que eu levantasse sobressaltada a cada mudança de posição ou respiração mais profunda que ela dava. Mais tarde, minha irmã chegou, me acordou e falou comigo algo que eu não registrei. Meu cérebro captou que a mãe estava em casa, tudo o que eu queria era ir para a minha cama e dormir de verdade. Durante essa madrugada minha irmã disse que ela acordou outras duas vezes. Eu que tenho o sono leve, sequer percebi. Só ouvi o choro das 6 da manhã. Hora em que ela exige que a tirem do berço para brincar. Pensei em ignorar, fingir que ainda estava dormindo. Mas eu pensei em minha irmã e no marido, que vieram para cá descansar, sem babá e a torcida do Bahia (ou Flamengo). Pensei também na carinha daquela menininha tão linda e por isso levantei da cama. Meu Deus! Como pode às 6 da manhã um bebê estar a todo o pique, engatinhando pela casa toda!!! Enquanto ela ria e me mostrava as coisas, eu simplesmente me arrastaaavaaaa atrás dela, me esforçando para manter os olhos abertos, enquanto, lentamente, o meu corpo e mente tentavam despertar. Tentei enganá-la um pouco, fingindo que ia brincar na minha cama, enquanto eu fechava os olhos só um pouquinho, mas ela insistia em falar algo em uma língua estranha, ria, engatinhava, levantava, passava por cima de mim, demandando a minha atenção. Se eu tentava ir no banheiro, ela dava o maior escândalo e quando eu abria a porta, via um sorriso se abrindo que me fazia esquecer todo o cansaço!! Assim, repeti essa rotina por 4 dias, feliz da vida, por que sabia que receberia em troca uma coleção de sorrisos e abraços que tiveram o poder de apagar temporariamente da minha mente todos os meus dramas e problemas. Meu mundo, temporariamente, girava em torno dela.
Por isso, agora, eu posso dizer que entendo 50% por cento do significado desse ditado, principalmente a parte do padecer…. Você acha pouco? Bem, é claro que a minha afilhada preenche uma boa parte da minha vida, trás uma alegria renovadora, mas acho que através dela eu ainda não alcancei o paraíso. No Paraíso vive apenas minha irmã, a mãe, que consegue esquecer o cansaço do corpo, mudar o seu gênio sem sessões de terapia, que conviveu por mais mais de 1 ano com seus cabelos brancos, sem poder pintar (em nome da amamentação) e sem ficar com baixa estima, que tem roupas inteligentes que já sabem o caminho do trabalho e de casa (dada a frequência com que são usadas mas que imploram pela aposentadoria), que modifica e abdica de hábitos que antes eram tidos como essenciais em sua vida em nome de uma coisinha pequena chamada Isabella. Por isso eu ainda não tenho a capacidade de entender 100% o significado desse ditado. Esse privilégio é concedido apenas às mães, cujas vidas giram integralmente em torno dos filhos. E a elas, eu deixo a minha homenagem especial para o “Dia das Mães”.
À minha mãe, a mãe-avó-pediatra. Ela sempre detestou salão de beleza, manicure, maquiagem, sapatos altos, vestidos longos e chics, mas no dia 16 de dezembro de 1978 abriu uma exceção para comemorar os seus 10 anos de formatura em Medicina. Uma ocasião extremamente solene. Pena que ela não conseguiu chegar à festa… No meio do caminho o trajeto teve que ser alterado para o Hospital Espanhol, onde eu nasci, em grande estilo.
omentário por neide — 27.4.09 @ 13:21
ainda estou rindo e lembrando do dia que voce imaginou um ladrão em casa e se escondeu atrás da cortina com Barbara e eu e seu pai tivemos que voltar correndo para casa …istoé outra história. Bjos adorei. é maravilhoso ser mãe de voces.
Comentário por Pity — 27.4.09 @ 9:01
Mto bom Paloma! Sempre leio seus posts!
bjs
Comentário por Hernani Pedroso Santos — 27.4.09 @ 9:11
Palominha, Palominha….você realmente esta me surpreendendo. Com certeza Elminho sabe a parte que mais gostei !!!!!!! Kkkkkkkkkk.
Tenho certeza que Moniquinha esta chorando de felicidade com esse texto, já que foi uma linda demonstração de amor, como irmã e como madrinha…beijosssssssssssss
Muito sucesso
omentário por Bel — 26.4.09 @ 15:29
Não conhecia essa veia artística na minha sempre amiga PALOMITA!!! Adorei sua crônica e já peço permissão para lê-la as minhas gestantes. Como vc sabe sou enfermeira e tenho em média 30 gestantes por mês que basicamente tomo de conta sozinha!!! Ossos do ofício! Sou ginecologista, obstétra, psicológa, assistente social e muito mais e por enquanto padecer no paraíso tá dificil, mas ao ler suas tão sábias linhas, fiquei com aquele gostinho engasgado na garganta, ou será no coração?
Estou amando e me identificando muito com essa sua vertente para escrita!!! Se lançar o livro peço que lembre de mim!!!!
Um forte abraço e beijos
Comentário por Anita Meira — 26.4.09 @ 17:56
Parabéns Paloma! Pelo texto e pelo Dia das Mães. Concordo com tudo que vc disse sobre ser mãe. Senti que há um certo ânimo da sua parte e o Elminho, está se animando pra ser papai também;Bjos.
Comentário por Elsa — 26.4.09 @ 11:17
Paloma
Adorei seu blog. Excelente escritora, tem muita paixao e entrega na sua escrita. Me avisa nos próximos posts ! Nao quere perde-los.
Comentário por Judite — 4.5.09 @ 23:55 |Editar
Prozinha, adorei o seu blog, especialmente “Em busca do Paraiso”, me diverti muiiiiiiiiiiiiiiito.
bjos…saudades
Comentário por Cassia Paim — 10.5.09 @ 22:26 |Editar
Paloma
Mais uma vez, parabéns pelo excelente texto pelo Dia das Mães!!!!!
Ser mãe é ser uma mulher “bio-flex”:
Mãe/amiga/companheira/parceira/ouvinte/confidente/filha/e outros tantos adjetivos multi-tarefas.
Desejo a todas as mães a benção de Deus em saúde, fé, esperança, coragem, confiança, jovialidade, companheirismo, amizade, determinação e muita paz, nesta data e em todos os dias.
PARABÉNS!!
Beijocas,
Cassia
Paloma!
Não sabia que você tinha esse blog….adorei!!!
Não tive como conter os risos. Lendo me veio a lembrança de Binha reclamando do matinal mau-humor de Mônica!!! rsrsrsrsrs
Estive no niver das duas e pude ver como tão grande e espoleta está Isabela. Linda! Linda! Linda!
Mônica me contou do feriado que passou com vocês aí e de sua dedicação à Isabela. Êita dinda babona!!!!
Faltou você na festa, viu?! Mas estamos daqui torcendo por sua felicidade e sucesso…
Beijo grande e Parabéns!!!
Rossane