Hoje às 8 horas da manhã, uma chamada me tirou do meio de uma “discussão” cansativa com meu filho de 7 anos. Gabriel tem várias idéias e projetos na cabeça e não descansa até que você ceda, concorde com o que ele quer fazer. Naquele momento ele tentava me convencer a devolver o seu material de robótica (motores, fios, etc.), que ele tinha perdido o direito de usar. De acordo com ele, a minha postura em negar, estava causando um problema enorme para ele! Era como se o seu mundo fosse acabar naquele momento.
Quando a imagem vale mais do que mil palavras
Às vezes ele parece uma metralhadora de argumentos, dos mais variados, pegando, inclusive, uma frase que você deu em um contexto diferente para usar a seu favor. Essa determinação tem o seu lado bom, pois demonstra que ele é focado no que deseja, mas tem seu lado ruim, pois ele sai que nem um trator, às vezes sem se preocupar com o que os outros pensam ou sentem. Então como mãe, às vezes eu tenho que agir como um Buda, que não deixa se afetar pelo contexto externo (algo praticamente impossível para mim), para tentá-lo fazer entender que a vida não é assim.
Então a ligação interrompeu a nossa conversa. Aliás esse é o único tipo de ligação que pode interromper qualquer coisa que eu esteja fazendo. Era uma chamada do “Be my Eyes”, um aplicativo que pessoas com deficiência visual utiliza para obter ajuda por video chamada. Essas ligações têm o poder de mudar o meu ânimo instantaneamente. Recebi um bom dia educado do outro lado da linha e a pessoa pediu para eu informar que número marcava no aparelho que mede a taxa de açúcar no sangue.
– 79 -, eu disse.
– Obrigado! – ele respondeu – Será que eu posso aproveitar que você está aqui e pedir a sua ajuda para ver a validade desses produtos na minha geladeira?
– Claro! – respondi animada.
Então fomos, item a item, o que foi um pouco demorado porque eu precisava pedir para que ele virasse a embalagem hora para a direita, hora para a esquerda até que conseguisse ler a data de validade.
Milagrosamente, durante esse momento, Gabriel que até então falava como uma metralhadora, ficou em silêncio, observando. E quando eu terminei a ligação, uma paz tomou conta de mim e um sentimento de gratidão sem fim invadiu meu coração. Respirei fundo e encostei a cabeça na cabeceira da cama para aproveitar aquela sensação.
Se fosse uma ligação comum, com meus pais, amigos ou irmãs, com certeza ele iria retomar o assunto imediatamente. Mas dessa vez, ele simplesmente olhou para mim com uma carinha intrigada e sem dizer mais nada saiu do quarto. Ele deu uma trégua na batalha e isso ficou marcado na minha cabeça.
Às vezes eu gasto tanta lábia para fazê-lo entender a importância de respeitar o tempo, o espaço das pessoas, mas presenciar uma experiencia diferente foi muito mais eficaz do que tudo o que eu estava tentando ensinar naquele momento. Ele pode não ter dito nada, mas tenho a certeza de que percebeu o quanto os nossos “problemas” são nada diante do que existe pelo mundo aí afora.