Apenas para complementar o último post. Eu estava meio arrasada com essa questão do “costume”, mas lendo o New York Times de ontem e de hoje, especialmente os artigos de Neil Macfarquhar, me dei conta de que é possível acordar da letargia. Depois de décadas de passividade, as multidões tomam as ruas no Irã exigindo uma nova eleição. O que isso tem de especial? Tudo! Vamos aos fatos:
1 – Apesar de existir eleições para presidente, o líder supremo do Irã é o Aiatolá. Hoje esse posto é ocupado por Ali Khamenei. Historicamente, a palavra de um aiatolá é lei. Não se contesta, não se investiga, nada! Ele controla tudo e todos. No entanto, devido à ira da população, em vez dele mandar o povo calar a boca e aceitar o resultado, ele informa que haverá uma recontagem;
2 – Isso é uma mudança de paradigma e tanto, que demonstra que a figura do aiatolá no Irã já não tem tanta força assim;
3 – Contudo, o anúncio da recontagem dos votos não acalmou a população. Isso porque todos no Irã sabem que esse ato dificilmente trará uma alteração do quadro. O aiatolá é o presidente do Conselho dos Guardiãs (responsável por investigar o que ocorreu nas eleições) e indica metade dos membros. A outra metade é indicada pelo chefe do judiciário que também deve seu cargo a Khamenei (qualquer semelhança com o Brasil, talvez não seja mera coincidência);
4 – Khamenei sabe disso, mas pediu a recontagem na esperança de que os ânimos se acalmem e a população esqueça o fato (Ops! Já vi essa cena!);
5 – Há mais de 30 anos vivendo sob um governo ditatorial, que simplesmente radicalizou o modo de vida no país, os iranianos não aguentaram e foram às ruas exigir seus direitos. Não que o candidato da oposição seja melhor, mas porque eles já não aguentam viver sob tamanha repressão. O povo no Irã simplesmente acordou!!!
Se isso acontece no Irã, por que não no Brasil? Nesse fim de semana eu estava conversando com o meu pai. Ele foi obrigado a servir durante a ditadura no Brasil. Graças a ela, aos 18 anos ele perdeu todos os dentes superiores. É muito difícil convencê-lo a me contar fatos que viveu nessa época. A cada ano eu consigo tirar apenas um. Dessa vez ele me contou que o que mais o impressionou durante o período de serviço foi quando os estudantes tentaram invadir o Forte de Copacabana. Os soldados receberam ordens para atirar. Nessa hora, ele me disse que descobriu o que era ser homem de verdade: De um lado, alguns soldados exemplares e condecorados choravam e baixavam as armas; do outro, estudantes que não recuavam nem sob os tiros. A humanidade, de uma lado, e a coragem do outro, o marcou profundamente. Eu perguntei se ele foi um desses soldados. Ele disse que não. Mas no fundo, tenho as minhas dúvidas. Essa estória me comoveu profundamente. Viver em uma época onde temos a nossa liberdade tolhida e somos obrigados a fazer o que não queremos… Tento imaginar e dói.
Ainda conversando com meu pai, perguntei por que não reagimos aos fatos que presenciamos hoje no Brasil com a mesma bravura de outrora. Ele me disse uma verdade que me calou: “Minha filha, naquela época os estudantes lideravam o movimento. Era uma coisa absolutamente romântica e idealista. Eles eram levados por uma paixão e crença, sem qualquer tipo de ligação com partidos políticos. Naquela época tínhamos verdadeiros líderes. Hoje onde eles estão? Olhe à sua volta e veja os nossos estudantes e o interesse que eles têm pela política”. Tive que dar razão a ele. Ontem eu falei toda empolgada para uma amiga sobre as mudanças que estavam acontecendo no Irã. Ela me disse que não estava nem aí. Que isso não interessava a ela e não afetava a sua vida. Sei que é perigoso generalizar, mas infelizmente existem milhões de jovens assim. Jovens que não viveram em um mundo de privações e que acham que os benefícios que usufruem hoje vieram de graça e não precisam ser mantidos. Sim, eu tenho esperança de que, assim como o Irã, um dia despertaremos.