Quando meus pais compraram a casa onde fui criada (e onde eles ainda moram), diziam que eram loucos. O local era isolado de tudo e todos, longe do centro da cidade e das comodidades.
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Hoje entendo a preocupação, afinal estávamos indo morar no meio do nada. Casa térrea, cerca de arame farpado com o fundo que dava para um mangue.
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Os vizinhos eram poucos, todos “loucos”, por morar em um lugar como aquele, onde os caranguejos pareciam preferir o cantinho atrás da nossa cama ao mangue. Onde as cobras se enroscavam no teto para trocar pele e não raro, cruzavam nosso caminho.
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Nosso parquinho era o barranco em frente que servia de escorrega e pista de bicicleta. Mas o melhor mesmo eram os sábados, quando pegávamos a leiteira pesada e dirigíamos 5 minutos até a fazenda que ficava ao lado. Nenhum amigo acreditava no que eu contava. Dava um trabalho danado carregar aquilo, ferver o leite e guardar. Não seria mais sensato ir no mercado e comprar? Como sinto falta daquele cheiro de estrume misturado com terra molhada e vacas.
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As vezes tento reproduzir um pouco dessa vida com os meus filhos, no meio de uma cidade grande, morando em um arranha céu de concreto, com telas na janela que não me deixa ver o céu completo. Nesse novo universo, deixo eles pisarem no chão, sujarem a roupa, tomar banho de torneira em meio a casais e crianças que passeiam com a sua melhor roupa. Às vezes eu ainda me permito sujar os pés, deitar na areia. Não é a mesma coisa, eu sei. Talvez agora eu seja a louca.
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Imagino o frio na barriga de meus pais ao tomarem essa decisão. Eu também me sinto assim, dividida entre tendências e opinião. Quando está complicado, lembro que não existe certo e errado e que as vezes a razão deixa de ser um aliado. Eu lembro da frase do Osho e opto pelo caminho que deixa meu coração aquecido, ainda que seja mais difícil. Porque eu sei que lá na frente, quando eu olhar para trás, são essas lembranças que ajudarão a manter minha paz.
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